segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Meus oito anos


Estou olhando atentamente para minha imagem no espelho e não vejo mais aquela criança que tinha medo de trovoadas ou de mulher de branco, não sinto mais aquela vontade de ter barba grande e voz grossa, autoritária, como a do meu pai.

Os meus olhos já não transparecem a vontade de ser um astronauta, médico, escritor, ter uma mansão, morar no Japão e ter uma Ferrari.

Eu gostava de ser uma criança engraçada. Mentira. Isso foi apenas uma tática para esconder o menino tímido e assustado. Ver as pessoas sorrindo me fazia sentir mais a vontade e ao mesmo tempo, o centro das atrações. Mas para outros era tudo macaquice e falta de massa cinzenta.

Era mágico ser criança. Os adultos diziam que criança não tinha preocupação, mas eu era muito preocupado, principalmente quando observava o sofrimento das formigas e resolvia colocar farelo de pão próximo de suas casinhas para facilitar um pouco a vida delas, entretanto elas ignoravam a minha boa ação, talvez elas pensavam que era uma armadilha. Sei lá.

Brincar de bolinhas de gude no corredor ou acabar de assistir um filme e achar que tinha os mesmos poderes dos Jaspion. E nem se fala dos filmes que viravam histórias longas e cheias de aventura, era só assistir um filme diferente que eu e meus irmãos formávamos uma roda em cima da cama, porque lá vinha diversão. Era uma pena quando tinha que parar para almoçar. Comia calado. O pensamento longe, imaginando como aquela história acabaria.

A noite, já na cama, escutava a mãe ir até a sala e abrir minha mochila escolar, o som das páginas sendo vistoriadas dava calafrios, não porque era ruim estudar, mas ao invés de fazer tarefa, preferia brincar, e eu sabia que tinha coisa sem fazer. Escutava o suspiro desaprovador vindo da sala, então cobria a cabeça e fingia dormir e acabava dormindo de verdade.

Outras noites, graças à luz do banheiro que ficava acesa, era impossível ficar quieto, então era hora de brincava de “stop” com os meus irmãos, ou um escrevia no ar e outro tinha que adivinhar, e contávamos histórias do cebolinha, na verdade inventava, e quando a mãe gritava tinha que virar para o canto e cair no sono.     

O pesadelo era nos invernos. Tudo parecia ser triste. Dava preguiça até de brincar e para piorar dava uma tosse danada e o nariz escorria parecendo uma cachoeira. Mas a vontade de morrer vinha quando, além de tomar o chá de Guaco, tinha que ir roubar de um pé que ficava na rua de trás. A salvação da pátria nesses dias frios era o rádio, tocava CD e fita K7, escutei até decorar as histórias da baratinha, formiguinha, 40 ladrões... Mas o que nos divertia era o programa do Chupim, era a maior diversão do mundo.

E agora olhando nesse espelho me assusto com essa cara séria, esse jeito de ser gente grande. Esquisito. A espuma de barbear escorrendo pelo rosto. Solto um sorriso para mim mesmo. Estou satisfeito.

Não sou médico, nem astronauta, não tenho mansão, não saí do Brasil e ando de ônibus, mas tenho uma boa mãe, um bom pai, irmãos, amigos, uma bela esposa, um cachorro e muitas histórias para contar.

Jonatas Amaral

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